[O fim ou o início de nós]
George Orwell tem se mantido no topo da minha lista de autores favoritos por anos. Eu gosto de tudo que ele escreve, desde os livros mais suaves para alma, como Na Pior em Paris e Londres, até os que causam calafrios, como A Revolução dos Bichos e 1984. Como todos que já leram o último, é um susto pensar que o autor discutia temas que parecem tão contemporâneos décadas atrás. É quase saboroso fantasiar que Orwell tinha uma bola de cristal ou máquina do tempo, e que por isso foi capaz de prever (com precisão chocante) as experiências sociais mais perplexas que vivenciamos hoje. É claro que as inspirações de Orwell pouco ou nada tem a ver com os eventos sociohistóricos que experimentamos, mas a semelhança assusta, instiga, e promove ainda mais conversas. Esse é o poder de um gênio atemporal. A impressão é que estamos todos aprisionados dentro do livro 1984, proferindo socos e chutes contra a porta, implorando para que alguém nos salve do cativeiro, desesperadamente à busca de uma forma de escapar dele. Mera semelhança? O Ministério do Amor produz ódio, o Ministério da Verdade produz fake news, o Ministério das Muheres defende homens. Ops. Desculpe, força do hábito…
George, senta aqui…
Menciono George Orwell recorrentemente em meu novo livro (escrito com Patrícia Silva), Corrupção do Caráter, Corrupção da Linguagem: Como o Ativismo Woke está Destruindo o Ocidente. Orwell enfatiza o poder da linguagem em moldar ideias, ditar comportamentos e mesmo controlar pensamentos. Ele explica isso não apenas em 1984, mas o faz lindamente também em Política e a Língua Inglesa. Todos absurdamente imperdíveis.
Eu lido com esses problemas diariamente. Você também. Não aguentamos mais o policiamento em torno do que podemos pensar, falar e discutir. Não aguentamos mais pisar em ovos, ou ser ameaçados de processos por expressar ideias lógicas (e na maior parte das vezes, óbvias, também). Não aguentamos mais ter que lidar com o desequilíbrio mental daqueles que querem liderar essa reforma social. O problema é que estamos começando a nos acomodar com essa nova realidade: “sejam bem-vindos ao novo mundo, essas são as novas regras, leia atentamente, cumpra as exigências, do contrário, punição os espera”. E tudo isso em nome da verdade e do amor.
Esse é meu artigo de estreia no Substack, e é fruto da minha inquietação referente à controvérsia sobre a participação de um homem biológico no boxe feminino. A saga do boxeador argelino Imane Khelif transformou a internet em um campo minado: é homem ou é mulher?
De repente, vimos todas as grandes mídias nacionais e internacionais em tremendo consenso, CNN, BBC, CNBC, Globo, UOL, amplamente divulgando que Khelif havia sido vítima de assédio e abuso moral online, pois estava sendo injustamente acusado de ser homem, pois era, irrefutavelmente, uma mulher. Vivemos em um tempo em que papeis (foto de infância e certidão de nascimento) determinam o que é uma mulher, mas cromossomos, nível de testosterona correspondente a padrões masculinos, e passagem pela puberdade masculina, não. Vivemos em um mundo no qual quem tenta falar a verdade é chamado (eu fui) de racista (porque ele não é branco), colonialista (porque ele é argelino), misógino (porque ele é uma mulher que não performa feminilidade), e burro, porque não sabe de nada.
Os mesmos que dizem que não há provas de que Khelif seja homem, afirmam categoricamente que Khelif é mulher, embora o acúmulo de evidências aponte o contrário. Os mesmos que exigem que você seja biólogo para entender os processos bioquímicos do corpo humano, acreditam em fontes tão seguras quanto a Faixa de Gaza. A Ministra das Mulheres, que se esforça grandemente para construir um legado histórico de ministra ativista dos direitos dos homens (nada contra os direitos dos homens, mas ela não é paga para isso), publicou mensagem de apoio ao boxeador. Alguma supresa? O programa Fantástico da Rede Globo celebrou a sua ignorância e o seu jornalismo duvidoso, privando o povo brasileiro da verdade. Muitas pessoas que já conhecem meu trabalho marcado por seriedade e respeito à verdade e à ciência me questionaram, dizendo estarem decepcionadas comigo por estar, desta vez, equivocada.
E por que isso ocorre? Uau, você tem tempo? Por muitos motivos que venho ao longo de um ano discutindo no Instagram, e um deles é o fato de que estamos presenciando uma grande articulação de grupos corporativos, o que inclui não apenas os grupos midiáticos, mas também patrocinadores de atletas e investidores do evento olimpíco, que são, majoritariamente… woke! Adidas? Nike? Coca-Cola? Quem não lembra do comercial patético da Nike estrelado por Dylan Mulvaney, um homem que parodia as mulheres, e o catálogo da Adidas com um homem usando um maiô no departamento feminino do site da marca?
De acordo com o próprio site dos Jogos Olímpicos, somados contratos de televisão, patrocinadores e outros parceiros, o Comitê Olímpico Internacional espera coletar um valor estimado de 3 bilhões de dólares. Isso já seria suficiente para encerrar a conversa. Em troca de tanto investimento, o COI precisa adotar a cartilha dos seus senhores, que obviamente sustentam o evento, e a história tem revelado que o pensamento woke sequestrou o mundo dos negócios.
Embora o caso de Imane Khelif seja uma condição médica, não-correlacionada com transativismo, ficou evidente que o COI está criando um precedente para admissão de qualquer pessoa com um documento que se declare mulher nos esportes femininos. Sim, esse foi o critério do COI: o que está escrito no passaporte. Fica claro que se trata de uma introdução para que homens transidentificados com um certificado de gênero que ateste mulher possam agora competir contra mulheres. Uau. Pausa para respirar. Acho que estamos presenciando o momento histórico do início do fim dos esportes femininos de alta performance. O próprio COI já deixou claro, ao alterar suas diretrizes nos últimos jogos, que caso homens transidentificados atendam a alguns critérios, podem competir nos esportes femininos. Temos visto essa bola de neve descendo a montanha, ganhando volume e velocidade ao longo dos anos, uma hora ela ia nos atingir, e a hora é agora.
Isso foi apenas um desabafo… as pessoas pensam que eu mantenho eterna compostura e equilíbrio mental lidando com assuntos tão deprimentes, mas a verdade é que eu também sinto um pouco de desesperança de tempos em tempos.
Essa introdução foi um pequeno contorno (e desabafo, também). Eu vim mesmo falar de George Orwell, lembra?
“O próprio conceito de verdade objetiva está desaparecendo do mundo. Mentiras passarão para a história.” George Orwell
Coisas estranhas estão acontecendo! Quando vejos filmes relatando os períodos de guerras, sempre falo com meu marido: “mas por que esse povo não A-COR-DA, eles não estão vendo que uma guerra está prestes a começar?” Sempre fico pensando, “por que essa criatura não sai logo do país, por que essa família ficou para trás, será que ninguém notou que o caldo fervente estava prestes a entornar?” Fácil falar. Todos nós somos homens e mulheres do nosso tempo, e ninguém consegue ver com clareza e antecipação todos os desdobramentos daquilo que acontece hoje e agora. Mas há sinais. Sinto que estamos experimentando agora as consequências de ideias que foram cozidas há décadas, que não foram tão levadas a sério antes, ou que precisavam de tempo de maturação. Por exemplo, aquilo que se denomina como “Teoria” Queer começou nos anos 90 com um grupo de desviados mentais. Hoje, não há uma única esfera da vida social que não seja afetada por essa depravação moral. Há tempos que autores alertam sobre a imigração desenfreada de muçulmanos na Europa, mas foram silenciados e chamados de racistas, ou para ser mais “pop” usando a palavra da “hora”, islamofóbicos. Bem, aí está, mas isso merece um post separado, e acredite, esse post vai chegar.
No que se refere aos sinais que mencionei acima, quais seriam eles? Para isso, sigamos o rastro deixado pelo legado intelectual de George Orwell.
“O Partido disse para você rejeitar a evidência de seus olhos e ouvidos. Foi seu comando final e mais essencial.” George Orwell
Há a exigência de que abandonemos a lógica daquilo que vemos com os nossos próprios olhos. O caso do boxeador Imane Khelif ilustra esse problema como nada mais. Quantos de vocês foram capazes com uma observação de três segundos identificar que ele era um homem? “Ser instruído a ver uma mulher quando você claramente consegue ver um homem é a forma mais pura de manipulação que podemos experimentar”, disse Sall Grover, a CEO australiana de um aplicativo de relacionamento para mulheres lésbicas que está sendo processada por um homem que se diz lésbica, e que teve o acesso ao aplicativo negado porque é, digamos, homem. E isso tem ocorrido recorrentemente em diferentes espaços. Políticos falam coisas que não devem, e mesmo diante de evidências irrefutáveis, como vídeos, por exemplo, negam bem diante dos nossos olhos. A verdade significa (quase) nada nos dias de hoje, o que já seria um problema. Mas o que vemos é a recompensa aos mentirosos, que são celebrados como líderes de uma reforma social que embora tosca e autoritária, é percebida como progressista e inclusiva. Tudo em nome do amor e da verdade. George Orwell, um abraço, por favor.
A corrupção do caráter segue sendo recompensada a passos largos. Houve um tempo em que mentirosos eram execrados, hoje, são glorificados. A mentira virou verdade porque a pessoa “certa” disse que era verdade. Se você mentir que Imane Khelif é uma mulher, você será percebido socialmente como um ser de luz puro e evoluído da floresta do filme Avatar, tão bom e superior que esse mundo nem te merece. Todavia, experimente falar a verdade, e vai precisar de muita resiliência emocional para lidar com a onda tsunami de ódio (quis dizer amor, desculpe) em sua direção.
“Liberdade é o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir.” George Orwell
Apenas hoje, recebi inúmeras mensagens, digamos, apimentadas de ódio (amor, quis dizer amor… perdão, Ministério…). Ameaças e xingamentos tão baixos quanto a autoestima daqueles que as mandaram. A tática não é nova, qualquer combatente de guerra conhece a tática do “persiga e destrua”. É uma estratégia que, no contexto da cultura de cancelamento, visa provocar a rendição às exigências do inimigo. Desejam, também, a destruição da reputação e a humilhação pública, mas o objetivo maior é fazer o inimigo desistir de lutar, dissipando a sua vontade de perseverar no esforço. Isso ocorre porque eles não gostam do que você fala, e algo me diz que a agressividade com a qual encaram essa divergência, é um sinal de que você tocou na ferida aberta. Mas o ponto é que não temos mais liberdade de fazer ideias desconfortáveis circularem, e isso é um sintoma de que as nossas sociedades adoeceram. A minha hipótese é que certas ideologias fizeram uma simbiose com os circuitos emocionais das pessoas, de forma que falar aquilo que contraria a ideologia delas, é um ataque à própria identidade ou existência delas, logo, em defesa própria, justifica-se o abuso verbal online. “Só estou me protegendo”, dizem eles, “quem atacou, na verdade, foi você”, porque verdade virou ataque.
“Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado.” George Orwell
Li em algum lugar que quem controla as redes sociais controla a verdade. Eu diria que quem controla a internet. Há alguns dias, fui banida do Instagram e recebi três punições por ter postado um meme, que foi considera fake news. Um meme. Fui também banida por postar uma foto da abertura dos Jogos Olímpicos. Uma foto. O Instagram disse que eu estava fazendo bullying. O único bullying que fiz foi com os meus próprios olhos por ter sido forçada a ver aquela foto pavorosa e sem classe.
A internet é um Godzilla em uma coleira. Boa sorte tentando acalmá-lo! Se por um lado, informações inconvenientes ainda circulam e aproximam pessoas de diferentes lugares do globo, por outro lado, confere poderes aos donos de plataformas de redes sociais e mecanismos de busca, e estamos vendo isso diante dos nossos olhos. Agências independentes checadoras de notícias são as primeiras a mentir, viraram o novo Ministério da Verdade Pós-Moderno Puro Surto do Suco Ideológico. Cresce o desejo de certos segmentos políticos de regulamentar a internet, sempre em nome da verdade. E do amor também, não esqueçam do amor. Para isso, tentam controlar a narrativa através da criação de vocábulos melindrados como discurso de ódio, tóxico, espaços seguros etc, mas na prática, discurso de ódio não passa de discurso que eu odeio, espaços seguros não passam de espaços onde você só diz o que eu quero, e tóxico é você não celebrar a minha esquizofrenia política.
Mais problemas à vista. Dependendo de que lado do espectro você esteja, o Google não será honesto com você. Esses dias, a equipe de Donald Trump submeteu uma queixa ao Google por esconder a tentativa de assassinato que o ex-presidente dos Estados Unidos sofreu recentemente. Quando as pessoas começaram a denunciar a presença no ringue de boxe de um homem na competição feminina, o COI se utilizou de uma legislação europeia de copyrights para remover do ar todos os posts. O que dizer dos dicionários que não mais descrevem a realidade, mas sim, criam novas verdades. Recentemente, vi que a definição de lésbica era “um não-homem que sente atração por outros não-homens.” Mais um pouco, e estaremos criminalizando as pessoas por pronunciarem a palavra mulher.
“A linguagem política é projetada para fazer mentiras soarem verdadeiras e assassinatos respeitáveis, e para dar uma aparência de solidez ao vento puro.” George Orwell
Eles estão tentando reescrever a história enquanto ainda estamos vivos. Essa é a petulância daqueles que sabem que têm o poder político e econômico para tocar esse projeto adiante. E nessa proposta, a linguagem ocupa um lugar especial, amparada por ideias famigeradas pós-estruturalistas, que em um surto maníaco intelectual, determinou que palavras geram novas realidades. E foi assim que boyceta virou uma identidade de gênero, uma nomenclatura usada por pessoas que… não sei, virou folclore brasileiro, ninguém sabe ao certo, nem mesmo os boycetas.
Muitas vezes sou considerada intransigente e rígida por não ceder às armadilhas ideológicas (mesmo que quase imperceptíveis) impostas por certos grupos. Mas por experiência própria, vejo que cortesia rapidamente se transforma em demanda, e que não existe negociação com quem não aceita que a sua opinião também é válida. Não vou negociar com quem só me respeita se eu me comportar como refém com Síndrome de Estocolmo.
De preferência, não pense! Não conteste A polícia do pensamento está sempre a postos para fiscalizar o fechamento da sua mente. Não se pronuncie, não questione, não pense demais. Como sabiamente disse o pinguim do filme Madagascar, é “sorrir e acenar, rapazes, sorrir e acenar”.
Ao invés de pensar demais, por que você não gasta seu tempo precioso em coisas mais úteis, como desenhar novas bandeiras para representar a sua identidade de gênero fictícia?
Eu sei que tudo isso é cansativo. Acredite em mim quando eu digo que sei, há dias que sinto a minha exaustão mental se convertendo em exaustão física, pois é uma luta que consome lentamente partes da sua psiquê. Os religiosos certamente quererão usar alma ou espírito aqui. Mas nós somos os últimos homens e mulheres segurando o muro em pé, o muro que separa a mentira da verdade, a ciência da pseudociência, e as verdades morais da corrupção do caráter. Se ficar cansado, sai da internet, vai correr, caminhar, ouvir música, dormir, cozinhar, tocar violão, desenhar. Mas volta, ainda precisamos muito de você. Sabe por quê?
“Às vezes, o primeiro dever dos homens inteligentes é reafirmar o óbvio.” George Orwell
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Seu apreço por fontes e embasamento são admiráveis. Nunca se cale. Você é voz para caras como eu — pai de menina preocupado com o futuro dela — que não tem "lugar de fala" segundo essa gente emocionada e pouco afeita às regras lógicas. Parabéns pela coragem.
É uma realidade. Desde 2015 estou nessa luta, me sinto exausta mas não consigo olhar a disseminação de mentiras e ficar calada. A minha vontade de falar a verdade incoveniente é maior que toda a cultura woke. Jamais irei me ajoelhar pra esses absurdos! Continue, Nine. Descobrir teu perfil me deu uma luz, uma esperança e inspiração!